Homero. Odisseia, X, 377.
Barulhos estridentes se movem no céu. E, então, aqueles brilhos também ecoam. Você vê criaturas que costumam chorar quando as emoções contidas vêm à tona, mas não lágrimas, pois na face os sorrisos apenas transmitem alegria e, então diz: Feliz Ano Novo! Há quem acredite que o tempo é linear, assim você aprendeu, ao menos, na escola. Quem nunca viu aquela famosa linha do tempo, com a professora de óculos explicando as fases da História? Mas você desconfia que o tempo tem as suas circularidades e volutas, como naqueles afrescos das igrejas antigas. O tempo é quase barroco. Quem se importa com o tempo? Você vive-o, e a música, de repente retorna à sua memória: “Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo girou num instante, nas rodas do seu coração...” Agora, no fim da História, a letra ressurge para a singularidade do tempo. No fundo, você sabe que é inútil meditar as etiologias. Etiologias... Você se irrita com seu vocabulário filosófico. No início, tinha o sabor das palavras precisas, depois se tornou um vício. Você sofre das palavras. Mas você é professor de filosofia e estudante de grego. O seu nome é Ulisses.
Ulisses, o viajante indefinido, perscruta o seu coração, você chegará a Ítaca? Há sempre o receio de que, no segundo dia, 2011 seja sempre o mesmo de sempre, um dia a mais, que pouco ou nada transforma as criaturas. Você tem medo de não ser capaz. “Porque você chora, que dores sacodem o seu peito quando alguém se refere à ruína de Troia? Não és Odisseu? O bravo e corajoso matador de Argos?” Ítaca está longe, Helena está longe... Você está longe. Longe por estar perto do coração selvagem. Apesar da música que era sua: I have climbed the highest mountain/I have run through the fields/ Only to be with you.../ I have run, I have crawled, I have scaled the city walls/ Only to be with you… No disco do U2 que nem mais roda, você julgou ser capaz de algo maior que si mesmo, você se surpreende com sua capacidade, mas. A vida ou sete anos esperaria mais, como Jacó, se não fosse tão longo amor para tão curta a vida!
Aporias da vida, o andar falso e trôpego pelos dias. O estar contra o muro da impossibilidade, eis que lá surge, minúscula, aquela passagem antes impensada, a saída, através da qual não se observa a liberdade, mas se antevê o sonho. Pois sonhar é uma modalidade de ser livre também.
Coriscos que tingem o céu e celebram o fim da primeira década, na noite festiva. O dia último do último ano da primeira década do milênio em que o mundo acabaria. Mas não acabou. Você sabe que tem uma tese a ser escrita, você sabe que tem anseios afetivos a serem contemplados, você sabe. “É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida...” Não termina. Você sabe que o seu nome requer um heroísmo, mas acaba sendo, no mais, um trocadilho. O estudante de grego que se chama Ulisses. Seus alunos nem tão interessados assim estão no épico. Não há espaço para a poesia mais. Não há espaço para o heroísmo. Somente as emoções comezinhas e banalizantes, pragmáticas do dia-a-dia. Feliz Ano Novo!
Por que você pensa em tudo isso ao ver que as pessoas choram? Aquele brilho é amargor das almas que saem dos olhos. É o sereno do fim da noite. Porque, salvas raríssimas pessoas, há alegria. De resto, mímesis. Imitação da vida, código social. As pessoas choram por antecipação, ao brilharem seus olhos. E depois passa, o mundo gira e o tempo também.
Você está triste? Não. É catarse, purificação trágica, a expurgar da sua alma os vestígios da hybris. Os vestígios da sua falha trágica. Você está triste? Não. É o reconhecimento tácito da aporia. Não há saída. Somente racionalização. É a sua busca pessoal pelo Agape, o amor puro e essencial. Este, do seu coração. Com o sereno, a noite, por assim dizer, acaba.
É a Aurora chegando, salvando você da escuridão.
Trezentos e sessenta e cinco dias. Ou um a mais. Um ano. Adeus ano velho!
Se não há coragem, que não se entre, que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma que se espraia dentro de nós. Que se espere. Não o fim do silêncio, mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora.