A Rafael Arantes Berg (1983-2009), in memoriam
Dentro do meu olhar, senti saudade daqueles dias, do tempo em que apenas possuía aquela blusa, do tempo em que meus livros eram apenas cópias, do tempo em que a vida era bem mais simples. Senti saudade dos estudos em grupo, dos desafios que eram tão grandes e da imensa coragem que possuía por acreditar mais em Deus. Dentro do meu próprio olhar, senti admiração por aquele jovem que eu fui, senti saudade de mim mesmo.
Reencontrava comigo e com antiga busca pelo autoconhecimento. Por pouco não mais me reconhecia, para logo adiante concluir que, diferentes as condições da estrada, o caminho de antes é sempre o mesmo de agora. Os desafios antes colocados, ainda estão sobre a mesa.
Sobretudo, a ocasião mostrava que o tempo está passando. A fugacidade da vida nos dá uma impressão incômoda de desequilíbrio, mas nos ensina que, se reatarmos o convívio conosco mesmos, buscaremos lá nos fundos da inconsciência... As sensações e imagens, as representações afetivas e mentais que um dia coloriram nossa vida de sentidos. Lá no sótão empoeirado da memória, o jovem da blusa azul ainda vive, ainda se apega às coisas sagradas, com a sabedoria que reconhece que são as únicas coisas que existem de fato e permanecem para sempre. Na arca das lembranças, o jovem de antes interage com os seus de então, e tece relações que durariam para sempre, construídas a várias mãos, desenhadas de muitas maneiras, por diferentes pontos de vista; mãos que se enlaçavam por serem amigas, mãos que se amavam sem saber.
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Mais que possível. O amor era real naqueles dias longínquos.
Refugio-me, então, naqueles olhares tão puros, nos que eram meus e naqueles outros, perscruto atentamente seus corações, adolescentes, pulsando cheios de vida, confusos, felizes. Por um instante, sinto-me isolado daqueles corações, por um instante, sinto-me distante de mim mesmo, da pessoa que era, mas, de repente, sinto que tudo revive novamente, é como se eu fosse novamente o menino que um dia fora. Por um instante, volto a ser o mesmo, sentado à antiga mesa, com os irmãos, com os amigos, rindo da vida, sendo jovem e feliz. Sinto-me, por um instante, enfim, novamente conectado pelo pensamento.
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E concluo, enfim, os olhos que se fecham para esse mundo são olhos que contemplam outras dimensões, olhos que não deixam de brilhar em outras esferas, olhos doces de quem foi sempre a rocha, a montanha, sem buscar sê-lo, sem consciência de simplesmente serem.
Jamais nos esqueceremos daqueles olhares que, subitamente, me fazem voltar a recuperar a minha consciência presente, após revisitar o passado e de lá trazer novamente o espanto juvenil diante do mundo e aquela milagrosa fé que me dava alegria de viver.
Few are those who see with their own eyes and feel with their own hearts.
– Albert Einstein
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