sexta-feira, 3 de abril de 2009

Mudam-se os tempos

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades (...)"



O filósofo pré-socrático Heráclito (540-475 a.C.) já afirmava na Antiguidade grega que "a permanência é uma ilusão. Somente a mudança é real. É impossível pisar duas vezes o mesmo rio". Transpondo para os dias contemporâneos, verificamos a sabedoria da máxima, quando reconhecemos a fugacidade sem precedentes que os caracteriza.

Dos anseios emocionais às decisões comedidas pela razão. Dos arroubos infantis à austeridade das horas graves. Dos dias para as noites. Dos momentos de prazer para a angústia. E vice-versa.

Mudamos a cada dia, com os próprios dias que nos levam a juventude e a vida aos poucos se esvai, os encantos juvenis que passam, e as considerações amadurecidas pela idade que chegam.

Ainda que quiséssemos viver em um Neverland infinito, à sombra de árvores encantadas que nos preservariam a doçura da infância, ainda assim a experiência da ontologia que nos caracteriza humanos por si mesma nos amadureceria. O segundo dia não seria como o primeiro na terra de Peter Pan.

Heráclito tinha razão. O que intriga, entretanto, não é reconhecer a mudança (a ruína dos edifícios que se acreditavam inbatíveis das crenças absolutas!), o intrigante é observar em que direção mudamos.

O ideal seria reconhecer que estamos hoje bem melhores que ontem, essa é a visão evolutiva. Ou, em outras palavras: saber em que direção navega esse barquinho que nos conduz no oceano da existência - em que porto hei de ancorar? - e saber que me aguarda uma recepção calorosa e segura em paragens outras, longe da insensatez dos mares perigosos de hoje.


"(...)O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía."


Camões.