terça-feira, 29 de julho de 2008

Ensaio sobre o amor no mundo moderno

...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.

Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas.


Nunca tivemos tanta liberdade quanto a que temos nos dias de hoje. Liberdade individual, de ir e agir, de viver cada um à sua maneira, de levar a vida como entende, sem ser restringido por discurso cerceador ou moralizante de nenhuma sorte, sob pena de poder-se sempre processar quem quer que seja que intervenha contra a nossa sagrada, custosamente adquirida, liberdade.

Fugindo das amarras das convenções, dos grilhões da história, do preconceito e dos atavismos, conseguimos, enfim, possuir, pelo menos em tese, pelo menos na lei, a liberdade que desejamos, aquela boa e necessária possibilidade de sermos senhores do nosso destino e fazermos da nossa vida aquilo que bem entendemos.

O grande paradoxo é que, diante desse bem precioso que é a liberdade, o sofrimento continua a dar as caras em todas as suas cores diante de nós e também dentro de nós. Basta olhar de relance à nossa volta: vivemos em uma sociedade doente do sentimento. Desconsiderando a expressão superficial e exterior das agressões entre os indivíduos, na intimidade de cada um persiste a insegurança e o medo, a sensação de traição e abandono, a mágoa e o remorso, o desânimo e a desilusão, a raiva e a impaciência, a tristeza e o desencanto... Seria demais enumerar todas os sintomas da sociedade do desamor.

Tragicamente, o sonho do amor perfeito parece ter mesmo sido sepultado com Romeu e Julieta em seu sonho na juventude. Na sociedade movida a aparências de felicidade, nas cores inebriantes da moda e à luz da lei do mais rico, impera o pragmatismo das relações fortuitas e casuais, dos encontros impelidos pelos apelos do corpo, da pouca, quase nenhuma, possibilidade de doação e entrega real. Não temos tempo de esperar o tempo do outro, a vida é rápida e é preciso pensar em nossa própria satisfação em primeiro lugar. Isso é o que chamamos de gostar de si.

E assim os consultórios psicanalíticos, que à época de Freud curavam criaturas castradas e reprimidas, recalcadas e neuróticas, hoje trata doentes vitimados pela liberdade em excesso, por terem se permitido ferir-se e ferir outros, na busca exclusiva do amor a si, que nem merece esse nome, senão outro, egoísmo, a expressão crua e dura, humana, do ego sobre todas as aspirações que poderiam um dia ser realmente superiores.

É a sociedade frenética, o vai-e-vem, a velocidade dos encontros e desencontros em chats, em baladas animadas e entorpecidas, com muita música, muito som, muita bebida, muito glamour, mas sem nenhum amor. Alegrias que duram a dose de um energético (com ou sem adicionais).

Nessa sociedade, estamos, de fato, construindo uma moral compatível com nosso mundo, uma moral elástica, industrializada, de papel. A nossa moral permite-nos usar as palavras como queremos, esvaziando os seus significados. “Eu te amo” não tem mais o peso e o valor que um dia já teve, pois às belas palavras, não se somam mais a força das condutas, falamos, falamos, pobres daqueles que ainda acreditam. Estamos mesmo na sociedade da propaganda, das palavras vazias e inúteis, do "te amo" sem cor, sem emoção, sem sentimento. É a nossa campanha de marketing.

Pois, na verdade, o capitalismo pós-industrial inaugurou nos tempos modernos também a lei da barganha de sentimentos: migalhas de atenção aqui compram o interesse dali, ou então a sessão de cinema que acaba saindo de graça ou então, quem sabe, aquele presente que sempre quis ganhar. Compramos os sentimentos, pagamos o seu preço, mas também colocamos muito de nós à venda. Queiramos ou não, vendemos e negociamos: o que temos e o que não temos, o nosso tempo, a nossa atenção, a nossa vida, a nossa casa, a nossa saúde, o nosso planeta, até mesmo a nossa liberdade. No final da negociata, ainda estamos insatisfeitos, uma sensação de vazio, e de que alguma coisa não saiu bem permanece, em casos extremos, leva a atitudes igualmente extremas.

A conclusão, em suma, é que os sentimentos que temos, não vão além das impressões mais superficiais, e, por conta disso, em que pese também a irrefreável necessidade de olharmos para nós mesmos somente, somos construtores recíprocos da nossa desilusão amorosa. Chamamos de amor a presença de tudo, menos Amor, em nossas relações.

No final de contas, o saldo final não parece ser ainda satisfatório, vivemos a vida pelo prazer, mas não encontramos o prazer simples de viver a vida. Quisemos demais ser amados e não amamos. De fato, nunca tivemos mesmo o Amor, pois o amor que temos é o amor que damos.

Ah... o Amor.

Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, mas não tivesse amor, eu seria como o bronze que soa ou um címbalo que retine. Se eu tivesse o dom da professia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, se tivesse toda a fé, a fim de remover montanhas, mas não tivesse amor, eu nada seria. O amor é paciente, é benfazejo; não é presunçoso, nem se incha de orgulho; não faz nada vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleiriza, não leva em conta o mal sofrido. Ele desculpa tudo, crê em tudo, espera tudo, suporta tudo.
(I Coríntios 13)



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POST SCRIPTVM - em março de 2009.
Uma leitora me escreveu uma carta, considerando aspectos do meu texto que estariam banalizando o discurso psicanalítico. Ainda que isso parece algo de um 'benevolentiae captatio': afirmo que os textos do 'Cup of Tea' não guardam pretensões científicas, não são tratados sobre quaisquer assuntos que abordam. O discurso psicanalítico - assim como tantos outros discursos que participam da nossa cultura - faz parte de um senso comum, ainda que dele produza simulacros, em que outros discursos se produzem. É desse senso comum que parto, ao usar os termos psicanalíticos em questão.
Para fazer justiça ao comentário gentil da leitora, reproduzo, abaixo, suas palavras ipsis verbis, para apreciação dos outros leitores.
Um grande abraço!
"Na realidade, na época de Freud, assim como hj, não trabalhamos com o conceito de cura, mas com o de qualidade de vida. Sobre "castradas, reprimidas e neuróticas", com, angústia de castração todos passamos por ela. A repressão e o recalque são mecanismos de defesa e, sem eles, estaríamos na barbárie. Sobre neurose, quem não é neurótico é psicótico e a diferença entre o normal e o patológico é quantitativa e não qualitativa.
Sobre o egoísmo como função egóica, é um pouco mais complicado por envolver conceitos como narcisismo primário e secundário.É claro que somos atravessados pela cultura, mas a dinâmica e a economia psíquicas são as mesmas em quaisquer época ou cultura.Sabe, Fábio, muito tem sido discutido no meio psicanalítico sobre a banalização da psicanálise e sempre concluímos que nós, psicanalistas, temos nossa responsabilidade nisto por nos omitirmos narcisicamente usando como justificativa que nosso conhecimento basta a nós."

domingo, 6 de julho de 2008

Relato de viagem

Quare id faciam, nescio. Sed fieri sentio.

“A vida é a arte do encontro...”, a frase ali estampada naquele cartaz, enquanto refletia comigo: ali me encontrava, novamente com malas na mão, registrando o frio do vento, a brisa do mar e coração aos saltos diante daquela ocasião.

Manhã movimentada, transeuntes iam e vinham de lugares distantes, tudo normal naquele aeroporto. Os aviões saindo de Vitória traziam-me idéias poéticas. Impressões ainda vivas dos últimos dias, dos trânsitos e praias, das ansiedades e, finalmente, dos resultados que, de certa maneira, obrigavam-me a redefinir planos e aspirações para o porvir.

Uma sensaçao de tristeza e alegria me contemplava simultaneamente naquele momento, meu pensamento, usualmente dado a idéias viajantes, me sugeria agora pé no chão, nada mais apropriado do que isso para quem estava prestes a voar.

Aquela manhã era estranha, observando naves que pousavam estrondosamente e levantavam vôo em direção ao nublado céu, oh, Deus, o horizonte infinito comporta os sonhos a que aspiro?

Diante de todos, eu era apenas silêncio, nenhuma palavra calmamente pronunciada fazia alarde da minha origem, enquanto, nas minhas lembranças, apenas gratidão, nada mais. Revivia os últimos dias, como, de certa maneira, tinham sido um evento marcante na minha vida, mas sobretudo, a oportunidade que, enfim, foi possível de ver o litoral capixaba por outros ângulos, na praia vazia da tarde fria ou mesmo do alto da construção multissecular, onde, por um algum instante, meus olhos se voltaram, finalmente, para mais perto de Deus: muito obrigado!

Como era bom, sentir, novamente, a presença daquele Deus que tanto sentido tinha dado a boa parte da minha vida, mas cujo hálito havia bastante tempo não mais sentia. A respiração de Deus deveria mesmo ser como aquela visão no alto do convento da penha: tocada pelos brilhos refletidos do sol na superfície do mar, em silêncio e respeito circunstante, vento calmo e nada mais.

Subitamente, lembrei-me de dias atrás, da longa caminhada ao longo da costa, na tarde que revolvia as ondas do oceano e despedindo-se do sol, exemplificava a renovação do dia.

Bem se percebia que, se eu era tipicamente um mineiro revisitando as praias do Espírito Santo, também ela era uma viajante em terras estrangeiras. Vinha do norte, da terra das pessoas de bom coração, da terra das pessoas generosas. Assim era ela, minha então mais nova amiga, embora uma sensação me dissesse ser amiga de outros tempos, de outras vidas, nunca sabemos, enfim, quando encontros são, na verdade, reencontros.

“A vida é a arte do encontro...”

Aqui estava eu, de volta a minha casa, igualmente em terra forasteira, depois desses dias. Como era rápida a viagem de volta, o retorno à vida de antes e a redefinição dos meus planos. Como as coisas mais significativas da vida, aquelas lembranças de amizade tinham sido como um grande presente inesperado, daqueles que sempre quisemos ganhar e jamais tínhamos a oportunidade.

Aqui estava eu, sentado diante do cartaz da frase anônima, escrita em amarelo-ouro sobre azul-mar, era o próprio reflexo daquele sol do alto do convento. Aquela frase, sem autoria e referências no cartaz, descobriria tempos depois ser o primeiro verso do poema-canção de Vinícius de Morais, cuja oportunidade me obriga a publicá-lo:


“A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre alguém à sua espera
Com os olhos cheios de carinho”


Obrigado, Cláudia, pelos seus olhos de carinho plenos, que me provaram que, apesar dos desencontros da estrada, ainda é possível encontrar um coração generoso a nossa espera.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Nau desconhecida

"É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas."


Machado de Assis. Dom Casmurro.


Leitor amigo, no livro da vida, ainda que pese a metáfora desgastada, muitas vezes pensamos que já conhecemos todas as saídas, ou, pelo menos, os caminhos de fuga principais, nunca se sabe lá. O que não conhecemos são as páginas em branco que encontramos logo em seguida, ou, o que é mais dramático, nem sequer esperamos que elas estejam lá, cândidas e brancas, a espera de serem escritas.


Naquele dia, a chuva finíssima tornava branca a janela do ônibus, e opaco estava aquele horizonte. Pessoas adormeciam na manhã de domingo, mal-ajeitadas nas poltronas macias do veículo veloz, que singrava as estradas molhadas como as caravelas antigas. Diferente das embarcações, aquela nau sabia o seu destino e, aparentemente, pelo que contam os registros, a hipótese de uma descoberta era inverossímil. Páginas cotidianas, em branco e preto, aquela pessoa lia, na poltrona 15, nem longe demais do acesso à saída, nem perto demais do fundo do veículo: perto o suficiente dos caminhos de fuga principais, nunca se sabe lá.


O jornal amassado, dançando nas mãos que, inquietas, o amassava; a mente estava distante o suficiente. A cada passo previsto, nada que pudesse ser considerado uma surpresa, nem mesmo aquela chuvinha, garoa fininha, fria, pobres dos moradores de rua, pobres daqueles que estão do lado de fora da sociedade e expectam o rico colorido das cidades, cobertos de cinza e nada mais.


Por um instante, era possível acreditar que tinha controle absoluto sobre a situação e sobre o dia, o domingo arquitetado a quatro mãos, há quatro dias, há quatro meses esperado. Ou melhor, há quase quatro meses: no dia em que “o amor era possível”. A caravela singrava os mares de pedra e a rica cidade de pedra surgia aos olhos, o jornal era apenas um (pre-)texto. Nada mais que palavras, muitas verdades se dizem mesmo é no silêncio, estou farto de todas elas, nem as digo, nem as quero ouvir mais, pensava.
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Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras, dizia, no roda-pé do jornal de domingo, o verso célebre, que comemorava o quarto centenário do grande literato, cuja comemoração ali, palidamente, se anunciava, no rodapé, entre crimes e outros escândalos: há sempre mais espaço para eles nos jornais!


“Para falar ao vento bastam palavras...”, ele pensou. A linguagem dos atos é mais poderosa que aquele vento frio, das ruas da grande cidade, a cidade que trabalha não importa se é domingo, não importa se é de manhã, não importa, enfim, se a chuva traz o frio e se as pessoas preferem, enfim, dormir naquele ônibus, como a senhora que se acomodava no ombro do rapaz.


Mas a vida, leitor amigo, é um livro falho. É um livro cujas páginas não têm numeração, não importa a ordem em que se leia, nunca saberemos quando, nem se chegou ao fim. Aquele jornal tinha páginas contadas e, na parte inferior de um de seus cadernos, onde mesmo a citação de Vieira, o poeta quadricentenário, tinha se encontrado, “para falar ao coração são necessárias obras”, na mesma página, ali também se anunciava a apresentação musical da cantora de voz doce, de letras serenas e suaves, que tinha a amplidão do céu em seus tons e a bravura do mar em sua voz. Aquela apresentação que era planejada e se conhecia, há quatro dias, quatro semanas, quatro meses e (por que não?) quatro anos esperada.


Belíssima voz, serenas músicas e até mesmo, difícil de se dizer, vivas cores daquele espetáculo, que ficaria impresso em CD e, o que é mais duradouro, na memória daquele viajante, que, então, apenas segurava um jornal e olhava as saídas, como se as conhecesse todas, nunca se sabe lá.


Não seriam planejados, ainda, o abraço a ser recebido e aquele sorriso, aquelas mãos que lhe aqueceriam à noite. Não foram planejadas muitas outras coisas que, como dizem os relatos, tornariam o dia frio de domingo em um dos dias mais calorosos já vividos nos últimos tempos, o dia em que não foram ditas palavras, estas que os ventos levam (já dizia Padre Antônio Vieira...), mas foram trocados gestos, abraços, beijos e olhares. Aquele olhar em que o viajante da caravela se perderia. Aquele olhar que haveria de mostrar ao rapaz do jornal que não se planeja a vida como se quer, que a vida é tal como um livro falho e contendo páginas avulsas em branco.


Nesse livro, leitor amigo, as lacunas de uns são preenchidas por outros. É um livro em que cada um se entrelaça em um movimento muitas vezes anônimo, mas essencial: a senhora adormecida no ombro do jovem, este que resolvera, então, também deitar sobre aquela senhora anônima – e desistir da leitura do jornal. Este, o da apresentação da cantora bela, do verso de Vieira. Faltavam apenas alguns minutos. Faltavam apenas alguns minutos. Faltavam apenas alguns minutos. Para dizer no telefone, ainda perdido naquela imensidão: cheguei.
Secva.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Um recado da esperança



"Bom dia ao sol!"
a
Pensou aquele homem, "todos deviam dar bom dia ao sol, em primeiro lugar, por um dia tão bonito como esse". Diferente da manhã anterior, aquela manhã cinzenta, a chuva fininha, molhando a barra da calça, deixando as pessoas tristes e melancólicas. Tudo fica mais cinza em dias de chuva.
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Podemos dizer que também ensolarado estava o pensamento daquele homem que caminhava solitário, na rua movimentada da cidade, observando o tempo e o dia, sorrindo para si, satisfeito com a vida.
+
Quem é esse homem? - me pergunto. E, como aquelas coisas que vêm à nossa mente sem autoria, tenho a resposta disso. Esse homem pode ser qualquer um de nós. Apesar do mecanismo incessante do cotidiano (que brutaliza as criaturas), esse homem pode ser eu mesmo, ou você, se encontramos nas coisas mais comuns e triviais à nossa volta, pequenas oportunidades de ser feliz.
a

A sabedoria popular sempre diz que nossas aflições presentes podem ser sempre vistas como o resultado mais ou menos direto de nossas ações pretéritas. É a história do "quem planta colhe", como se a lei de ação e reação da matéria fosse válida também para nossas ações no mundo. A cada atitude minha, uma reação para mim mesmo. Assim, o homem é, num grande número de casos, o artífice silencioso dos próprios infortúnios, do que deriva a constatação de que nosso presente é sempre reflexo de escolhas pretéritas.

+a
Entretanto, remoer o passado e suas dores não parece ser atitude sensata. Afinal, e quanto ao futuro? Por isso, cultivar o sofrimento é estacionar em meio à viagem; é desenvolver a culpa dolorosa que paralisa e não nos impulsiona a seguir. A meu ver, a dor só é positiva se entendida como instrumento (transitório!) para o nosso progresso, para o nosso aprendizado.
a
“Deus é Pai!”, disse Jesus Cristo que, não interessa a religião, pode ser visto como um grande exemplo para toda a Humanidade. É pai, não um carrasco que se compraz com o sofrimento das criaturas: vivemos para ser felizes, reunindo as condições necessárias para o nosso amadurecimento, com (e apesar de) nossas imperfeições. Certa vez, Jesus ainda teria dito aos discípulos: “Na verdade eu vos digo, fareis as obras que eu faço e muito mais!” (Jo 14:12) A aposta do Mestre era na capacidade humana de superação, na perfectibilidade do ser humano, na sua destinação espiritual, não no seu sofrimento ou fracasso.
+a
Assim, por mais que nos consideremos afastados daquele estado de espírito que nos permite reunir em nós a paz interior, a consciência tranquila e a satisfação do dever cumprido, resta-nos sempre a esperança de um dia alcançarmos, com nossos esforços, a felicidade que nos é merecida.
aa+a
Enquanto isso, lembremos do aconselhamento de Emmanuel, em Sinal Verde: “quando o céu estiver em cinza, a derramar-se em chuva, medite na colheita farta que chegará do campo e na beleza das flores que surgirão no jardim”.
a+a
É preciso observar o outro lado de tudo e, então, sairmos, como aquele homem, na manhã ensolarada do outro dia depois da chuva, observando a beleza da vida e agradecendo a Deus o privilégio de existir.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Folhas secas*

Folhas secas, pisadas no chão
Velhas folhas...
A criança olha e sorri:
Claro e escuro –
Este, a fruta doce do chão
Aquele, o sorriso infantil.

Folhas secas, enlevadas no vento
Dança do vento...
O céu parece imóvel:
Tempestade e calmaria –
Esta, a folha caída no chão
Aquela, o ecoar distante da música.

Folhas secas, frutas doces –
Doce e terno o sorriso
E o olhar daquela criança:
Dança contente com o som –
Dizendo nada é tão triste,
Nada é tão feliz.



*Escrevi esse poema em 21/11/2004, quando lia Emily Dickinson e quando via poesia em todas as coisas a minha volta. Era boa a sensação de estar me descobrindo, me lembro muito bem daquele dia, no museu, a menina no chão, brincando com as folhas e a sinfonia sendo executada dentro das paredes centenárias. Escrevi às pressas o poema que hoje, finalmente, publico.




sexta-feira, 7 de março de 2008

Fotografando o invisível



“Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.”

Para o Pequeno Príncipe, todas as rosas do mundo, por mais perfumadas ou belas que fossem, eram apenas rosas, vazias e mortais, simples e triviais como as outras. A rosa mais importante não era aquela que se destacava pela beleza excepcional, ou pelo perfume mais encantador, a rosa mais essencial era aquela que ele mesmo tinha visto crescer, aquela que ele mesmo cuidou com suas mãos pequenas, aquela que ele ouviu, regou, protegeu. A rosa solitária da redoma de vidro era única e mais importante de todas, simplesmente porque era o resultado do seu amor.
Mas nem sempre o Príncipe sabia disso. Ele precisou passar por um longo caminho até descobrir o significado do que sentia pela rosa. Ele precisou que a Raposa lhe mostrasse, pela comparação com as outras belezas do mundo, o significado do que era cativar.

“- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu dediquei à minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...”

Assim é a vida. Como dizia uma amiga, muitos passam em nossas vidas como cometas de luz passageira, encantam e logo depois desaparecem na escuridão do firmamento. Outros são como cometas Halley, são raríssimos, são daqueles que costumamos conhecer poucas vezes na vida. São como a Rosa do Pequeno Príncipe: única e inesquecível. Mas é preciso coragem e dedicação, para cuidar, regar, proteger, cativar; para, enfim, fazer crescer robusta a raiz desse sentimento igualmente raro, que é o amor. Seremos sempre responsáveis uns pelos outros.

Assim é a vida... Além da folhagem que emoldura a fotografia acima, existe uma representação do infinito, lá no alto onde o céu não se acaba. Perdidos no azul da imensidão do universo, lá do alto observamos a Terra, e, se olharmos com calma, nos veremos ali: deitados na grama, pensando que a vida é bela e que, afinal, fomos premiados porque um dia nossos olhos se cruzaram. Espelhada em nossos olhos, temos a imagem um do outro. Somos totalmente felizes por um tempo, mas é preciso cuidar, para que a fotografia não se torne apenas uma lembrança de um dia feliz.

Não me cansarei olhar esta fotografia, para enxergar com o coração o sentido que ela tem ou poderá ter. Sim, com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Uma crônica paulistana

"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente"
F.Pessoa

Na tela do computador, aquelas palavras que não queriam sair faziam tempestade no seu pensamento. Aquelas palavras brincavam com suas idéias, perturbavam-no. Ele parecia se nutrir de algo que a maioria desacreditava, mas que fazia-lhe crer ser possível, algo que lhe fazia, enfim, feliz. O quarto vazio, aquelas cortinas que apenas balançavam com a brisa do mundo exterior, pulsante e vivo na maior cidade da América Latina: São Paulo, São Paulo! Um verdadeiro mundo de cores, contrastes, arranha-céus, pessoas, emoções, desde o primeiro minuto. O primeiro minuto em que, com o coração aos saltos, tinha saltado naquela passarela, na plataforma, em direção ao beijo proibido, àquele sorriso e olhos. São Paulo... Nada mais feliz que estar em São Paulo sem estar em São Paulo, mas mergulhado no oceano das cores brancas e lilases daquela casa, ouvindo o dia pulsante e ensolarado lá fora e a profunda quietude do mundo interior, naquele silêncio característico de sua personalidade, o silêncio que quer dizer muitas coisas. Mas não dizia. Ich bin wirklich glücklich, pensava em alemão. Precisava desabafar, então decidiu ouvir música. Um som antigo, típico da década de 80, relembrava a música já quase esquecida do A-ha, You’re the one, naqueles versos, que teimavam em repetir, I do love you... If you leave me, I’ll understand... Se lembrou que um dia, em outra situação, em outro quarto, em um silêncio outro, também tinha ouvido esta música, não porque era especialmente bela, mas porque era simplesmente especial também sabê-la de cor: “Eu realmente te amo, mas se você me deixar, eu vou entender”... As cortinas balançavam de leve, o coração quase descompassado se perguntava, será que vou entender? Queria dizer mais do que aquela música dizia... Mas um som exterior já anunciava que alguém voltava, alguns ruídos já faziam perceber aqueles passos firmes no corredor, e já era possível pressentir a fechadura da casa rangendo e se abrindo. Mas, dessa vez, não queria que as idéias apenas torturassem a sua consciência, mas também se traduzissem em palavras, ainda que muito fortes parecessem (“fortes para os corações fracos”, se lembrou). Em frente à tela branca do computador, quase sem serem ouvidas com aquelas músicas que, altas, alegravam a sala, enfim as palavras saíram, a ponto de serem sentidas por quem estava já de pé ao lado, chegando do mundo pulsante das ruas paulistanas: Eu te amo.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Superman

Naquele recanto, só meu,
Meu amor dissimula
Diz-me palavras impossíveis.

Naquele recanto, o teu,
Teu sorriso é música
Faz-me crer que o irreal existe.

Naquele recanto, do meu
Coração, que perdura
Uma leveza e graça resiste.

Preciso dizer que esse canto
Heróico e bravo de tua voz
Ressoa em minha alma sensível
Faz-me sentir protegido.

Queria te oferecer este recanto
No qual o que é meu é também teu
Onde o amor, enfim, é possível
Onde o sonho é tão parte da vida.

***


Super-Homem: O Retorno - Superman Returns
Estados Unidos - 2006
154 min - Ação/Aventura - 12 anos
Kevin Spacey (Super-homem), Kate Bosworth (Lois Lane), Bryan Singer (Realização), Bryan Singer (Argumento)
http://www.superhomem-regresso.com.pt
Ver o trailer