segunda-feira, 30 de julho de 2007

Encontros & desencontros

"Não me arrependo do que fui outrora
Por que ainda o sou"
Alberto Caeiro



Naquele dia, o frio era particularmente incômodo para todos ali, também para ele.
Ainda que não fosse aquela sensação estranha, haveria ainda a constatação de que, porque ele, ele, tão comum, se furtaria a sofrer também? Era humano sofrer por alguém em quem se deposita as suas esperanças. Os seus sonhos de ter uma vida plena. Tal qual parecia-lhe ser direito de todos.

Aquela ausência nos dias que passaram, os telefones que não foram atendidos, aquela sensação de abandono. Angústia miúda, até então escondida, e a lágrima quente, que teimava em descer pela sua face. Ele tinha 21 anos. Pela primeira vez, acreditava, enfim participava daquele mais alegre e colorido lado do mundo: o lado dos que amam.

"É preciso amar até doer!" Talvez, finalmente, lhe fizessem sentido aquelas palvras antes ouvidas, não compreendidas. No entanto, a esperança, como frágil chama naquele dia frio, parecia renascer. De qualquer forma, teria ele feito tudo por aquele reencontro. Por aquela voz do outro lado da linha.

Mas, a tarde passou célere com a carruagem do tempo. Com ela, primeiro, a esperança; depois, a frustração.
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"É preciso amar até doer..."
Todos iam e vinham no ambiente frio e impessoal do shopping. E quem muito era esperado não veio. Ainda uma vez. E não mais viria. O frio era particularmente incômodo pra todos ali.
***
O carnaval é celebrado como a festa da alegria. Os amigos saem com os amigos. Outros vão às ruas para se lembrar de seu tempo de juventude, outros para esquecer os seus dias.

Essa era a época em que apresentava sua peça de teatro. Atrás das cortinas, naquele tablado escuro, ali esperava. Entre a ansiedade e as preocupações circundantes, esperava. De todos os convites dados, nenhum tinha sido entregue com mais esperança. Para ninguém mais aquele convite teria sido tão especial.

Cordélia era aquela que amava, entre todos os netos e filhos e sogras. Cordélia amava. Assim tinha aprendido nas aulas de literatura, daquele conto da Clarice Lispector. O deslocamento daquela concepção banalizada de amor, tão trivial nos dias atuais, tão diferente daquela sensação de felicidade que vinha com aquele sorriso que, pela primeira vez, acenou-lhe no horizonte, pela primeira vez, havia já alguns meses.

Aquele sorriso que ainda não saía do seu pensamento. Aquele sorriso que, até no último dia, tinha lhe abraçado. O sorriso para quem iam os barquinhos de papel, cuidadosamente dobrados. O sorriso que lhe fizera entregar pessoalmente aquele convite e esperar. Entre as cortinas, atrás do tablado. Na noite especial do sábado de carnaval.

Um frio na barriga, não saber direito que palavras escolher, sentir pulsar o coração: no teatro, como na vida, assim era estar apaixonado. Por que não esquecia aqueles olhos que pareciam fugir quando examinados de perto?

Como querer carregar o mundo, assim era estar apaixonado. Como pensar ser capaz de fazer tudo, de ser feliz. Era preciso fazer-se de forte, ocultar fragilidades, chorar olhando o horizonte, ter ninguém a não ser os amigos mais próximos, só mesmo aqueles que também sabem o qüão difícil é deixar de amar. Difficile est longum subito amorem deponere.

Para responder ao seu amor, era preciso responder àquele convite. Ali estavam todos: menos aquele dos olhos fugidios.

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ARTE: "Angústia" - David Siqueiros - Coleção particular do MASP

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Um dia qualquer

Lembro-me de quando eu era criança e via como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Por que então, eu, não sendo consciente, eu era a vida? Eu via a manhã e tinha alegria. Hoje vejo a manhã, tenho alegria e fico triste. O verde das árvores é velho e as flores são murchas, antes de aparecidas.
O Livro do Desassossego. F. Pessoa



Quanto vale um sorriso? Um dia me questiono quanto tempo existe no tempo que passa, quanta luz existe no sol que amanhece, quanto calor existe no abraço inesperado. Um dia acordo e o sol reluta em entrar no quarto e o verde das árvores deixa de ser verde, por tão verde ser.

Um dia me questiono quanta dor existe na mãe que chora, na criança que cai, na decepção que se apresenta, nos olhos que se calam, nas pessoas que se afastam. Acordo e medito a brevidade do tempo e o valor do passado, e observo a poeira caindo, as pessoas andando, o dia correndo. A vida, enfim, prosseguindo. Olho nos olhos de quem passa, o vento bate no meu rosto, e em meio ao tráfego, sinto o silêncio. Profundo silêncio que, como é normal, devotamos aos desconhecidos, em meio à multidão.

Estamos irremediavelmente unidos e separados pela mesma humanidade.

Um dia me questiono se existe algo indefinivelmente essencial dentro de mim e me apego à impressão de que é preciso que exista para que eu seja, para sobreviver. Quanto vale um sorriso?
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ARTE: "Manhã" - Edvard Munch

domingo, 1 de julho de 2007

An English message

" I remember one morning getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know, that feeling? And I remember thinking to myself: So, this is the beginning of happiness. This is where it starts. And of course there will always be more. It never occurred to me it wasn't the beginning. It was happiness. It was the moment."

Clarissa Vaughan. The Hours



When we have much to talk about an issue, it's common to lose the ability to say anything. To say the least, I have no idea on what to begin. Let's say I'd already written some words a couple of years ago, trying to deepen the nature of my feelings and understand the basic meanings of what was going on.

Moved by the same spirit, I try to write this letter now, with no real reader in fact. Maybe I should confess I have no real ideal of understanding anymore. At that time, I couldn't understand, but I tried to give some sense to life. Now, I simply can't understand. And that's all. Living is far more complex than reason. There are a certain number of things unvulnerable to explanation. Let's say, for instance, love.

Wasn't the mean price for love blindness, things would be much easier, I guess. However, how to overcome this? It's something we get used to living with, to say the truth, we usually forget the meaning of vision.

I have experienced this and, as everybody on Earth, suffered from this. It's been a hard time to understand these strong feelings inside myself. Oh, Gosh, make me believe in understanding again, then help me find this.

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ARTE: "Mulher de cabelos amarelos" - Pablo Picasso