quarta-feira, 4 de julho de 2007

Um dia qualquer

Lembro-me de quando eu era criança e via como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Por que então, eu, não sendo consciente, eu era a vida? Eu via a manhã e tinha alegria. Hoje vejo a manhã, tenho alegria e fico triste. O verde das árvores é velho e as flores são murchas, antes de aparecidas.
O Livro do Desassossego. F. Pessoa



Quanto vale um sorriso? Um dia me questiono quanto tempo existe no tempo que passa, quanta luz existe no sol que amanhece, quanto calor existe no abraço inesperado. Um dia acordo e o sol reluta em entrar no quarto e o verde das árvores deixa de ser verde, por tão verde ser.

Um dia me questiono quanta dor existe na mãe que chora, na criança que cai, na decepção que se apresenta, nos olhos que se calam, nas pessoas que se afastam. Acordo e medito a brevidade do tempo e o valor do passado, e observo a poeira caindo, as pessoas andando, o dia correndo. A vida, enfim, prosseguindo. Olho nos olhos de quem passa, o vento bate no meu rosto, e em meio ao tráfego, sinto o silêncio. Profundo silêncio que, como é normal, devotamos aos desconhecidos, em meio à multidão.

Estamos irremediavelmente unidos e separados pela mesma humanidade.

Um dia me questiono se existe algo indefinivelmente essencial dentro de mim e me apego à impressão de que é preciso que exista para que eu seja, para sobreviver. Quanto vale um sorriso?
***
ARTE: "Manhã" - Edvard Munch

Um comentário:

andrepersou disse...

Um sorriso vale muito, pode transformar tudo!