sábado, 12 de dezembro de 2009

Parte 3: Tempus fugit

A Rafael Arantes Berg (1983-2009), in memoriam

Dentro do meu olhar, senti saudade daqueles dias, do tempo em que apenas possuía aquela blusa, do tempo em que meus livros eram apenas cópias, do tempo em que a vida era bem mais simples. Senti saudade dos estudos em grupo, dos desafios que eram tão grandes e da imensa coragem que possuía por acreditar mais em Deus. Dentro do meu próprio olhar, senti admiração por aquele jovem que eu fui, senti saudade de mim mesmo.

Reencontrava comigo e com antiga busca pelo autoconhecimento. Por pouco não mais me reconhecia, para logo adiante concluir que, diferentes as condições da estrada, o caminho de antes é sempre o mesmo de agora. Os desafios antes colocados, ainda estão sobre a mesa.

Sobretudo, a ocasião mostrava que o tempo está passando. A fugacidade da vida nos dá uma impressão incômoda de desequilíbrio, mas nos ensina que, se reatarmos o convívio conosco mesmos, buscaremos lá nos fundos da inconsciência... As sensações e imagens, as representações afetivas e mentais que um dia coloriram nossa vida de sentidos. Lá no sótão empoeirado da memória, o jovem da blusa azul ainda vive, ainda se apega às coisas sagradas, com a sabedoria que reconhece que são as únicas coisas que existem de fato e permanecem para sempre. Na arca das lembranças, o jovem de antes interage com os seus de então, e tece relações que durariam para sempre, construídas a várias mãos, desenhadas de muitas maneiras, por diferentes pontos de vista; mãos que se enlaçavam por serem amigas, mãos que se amavam sem saber.
-
Mais que possível. O amor era real naqueles dias longínquos.

Refugio-me, então, naqueles olhares tão puros, nos que eram meus e naqueles outros, perscruto atentamente seus corações, adolescentes, pulsando cheios de vida, confusos, felizes. Por um instante, sinto-me isolado daqueles corações, por um instante, sinto-me distante de mim mesmo, da pessoa que era, mas, de repente, sinto que tudo revive novamente, é como se eu fosse novamente o menino que um dia fora. Por um instante, volto a ser o mesmo, sentado à antiga mesa, com os irmãos, com os amigos, rindo da vida, sendo jovem e feliz. Sinto-me, por um instante, enfim, novamente conectado pelo pensamento.
-
E concluo, enfim, os olhos que se fecham para esse mundo são olhos que contemplam outras dimensões, olhos que não deixam de brilhar em outras esferas, olhos doces de quem foi sempre a rocha, a montanha, sem buscar sê-lo, sem consciência de simplesmente serem.

Jamais nos esqueceremos daqueles olhares que, subitamente, me fazem voltar a recuperar a minha consciência presente, após revisitar o passado e de lá trazer novamente o espanto juvenil diante do mundo e aquela milagrosa fé que me dava alegria de viver.

Few are those who see with their own eyes and feel with their own hearts.
– Albert Einstein




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O nascer do Sol (1872) Claude Monet.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Parte 2: Espelho

O espelho reflecte certo, não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é estar essencialmente cego e surdo.
Alberto Caeiro, 01/10/1917.


O que operam 10 anos na vida de uma pessoa? É uma pergunta relativa: se for feita quando temos 50 anos, teremos uma resposta; mas aos 15, pode-se dizer que os dez anos seguintes definem, em grande parte, o resto da vida.

Dos 15 aos 25 decidimos o plano inicial da nossa jornada, consolidamos as nossas crenças ou as abandonamos; vencemos os nossos medos ou aprendemos a conviver com eles. Aos 25, podemos olhar para trás e dizer com alguma convicção: não sei o que sou.

O fato é que era bom estar de volta à minha cidade, como, aliás, o seria em qualquer ocasião em que retornasse aos meus. Uma grande ansiedade se mistura com a saudade quando estou de volta. É difícil não me surpreender com as pequenas mudanças que se alteraram nos quadros tão regulares à volta daqueles que permanecem. Aos olhos dos que foram, tudo é absolutamente novo.

Descendo as ruas molhadas e sorvendo o ar frio, seria possível sentir algum desconforto, mas as condições ambientais eram mínimas diante das revoluções que se passavam dentro do coração.

Aquela blusa azul que vestia sereno o jovem à frente, subitamente me conectava a outra dimensão: uma dimensão frequentemente ignorada, que é até difícil de definir, mas é absolutamente subjetiva e tem como marca dominante uma busca própria por entendimento de si mesmo.
Aos 25 anos, podemos olhar para trás. E dizer: não sei quem sou.

Quanto maior a proximidade, maior era a revelação das semelhanças no tipo físico que se destacavam entre mim e aquele jovem. Se fosse outra pessoa, diria ser meu irmão mais novo, alguns anos à frente.

Não sei como, e com tal surpresa, cheguei à inexorável conclusão. O jovem não era outra pessoa – era eu mesmo.

Aos 25 anos, tive a experiência, sem dúvida singular, de reencontrar não com alguém parecido comigo na adolescência, mas de me reencontrar no passado. Posso dizer, por maior estranhamento que provoque: eu estava diante de mim. O menino diante do adulto. Eu, adulto, diante de mim, adolescente.

O jovem de blusa azul, surrada com o uso, de sapatos molhados pela chuva, lendo o calhamaço de papeis: aparentemente não tinha nada, senão os sonhos. Aos quinze anos, sonhava que podia fazer tudo. Aos quinze anos estava com o coração aberto para as maiores conquistas, para os mais profundos e duradouros sentidos que podia conferir a palavras como amizade, respeito, confiança, esperança.

Os sentidos, sem dúvida, que eram os melhores, visto que mais puros, visto que ainda sem os calejamentos da vida fictícia que é esta em que se torna o dia-a-dia conduzido com as convenções sociais.
O encontro fortuito comigo mesmo levou-me a olhar-me diante dos meus olhos jovens, aqueles que, na realidade presente, já não os possuo. Dentro daquele olhar vi o meu reflexo, o reflexo de um eu transformado com o tempo.

Por olhar assim, sentia-me. Por sentir-me, me deixava levar. E aonde me levavam aqueles olhos?


***


[continua...]




"Moça diante do espelho" (1932). Pablo Picasso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Parte 1: Frio



Só aquela cidade pode justificar a jaqueta de couro preta. Todos sabem que é justamente o alto da montanha o responsável pelo frio constante daquelas terras, ou, para dizer o mínimo, pelos frequentes céus nublados. Um amigo teria dito que essa é a terra das quatro estações em um único dia. Diria eu que, se não todas, ao menos aquelas frias e molhadas são as que mais nos acompanham; que, aliás, eram as que caracterizavam aqueles dias.

Nas ruas molhadas e pacíficas, naquele entardecer frio como muitos outros, as pessoas prefeririam ficar em casa. Muitos se aqueceriam tomando chás ou comendo bolinhos-de-chuva, daqueles que tem sabor de infância e memória das avós. Muitos se apressariam em retorno à casa, com medo da chuva que poderia voltar a se precipitar sobre nossos ombros diante do nosso olhar. Mas o céu estava absolutamente imóvel, as nuvens robustas. A aragem após a última chuva não dava a entender que seria o momento de nova tormenta.

Para ser sincero, não saberia dizer por que estava ali. Apenas sei que me sentia bem, de volta à minha cidade, rodando as ruas familiares, vestindo aquela jaqueta que, enfim, nunca antes parecia ter vestido, nunca antes parecia ter pertencido às roupas do meu armário. Apesar disso, sentia que não estava ali em vão.

Descendo mais adiante, avizinho uma figura que me pareceu familiar. Não tinha antes notado, mas a poucos metros sentava-se à soleira de uma loja fechada uma pessoa que, por algum motivo, me chamara atenção. Não a pessoa. Mas a blusa de lã azul que vestia. Os meus olhos míopes jamais me permitiriam reconhecer o semblante daquele que parecia ser um jovem de uns 15 anos, de pele clara e traços finos, sentado à porta daquela loja, abrigando-se da chuva, que, pelo que parece, ainda não caía.

A blusa de lã azul remetia a um vestuário que, de fato, me era bastante conhecido. Fora uma das doações da amiga de minha mãe aquela blusa de lã, que, apesar do corte ligeiramente feminino, sempre me vestira melhor que à minha irmã na adolescência. Era um tecido forte, de lã entrelaçada como que à mão, um objeto realmente bonito, posto que levemente surrado pelo uso que, afinal, muito tinha sido quando já de segunda mão havia recebido. A blusa do jovem sentado era idêntica àquela minha, quando não a mesma. Embora trajasse outras roupas que o tempo me dera condições de adquirir, tenho certeza que ainda possuo aquela blusa. Ainda hoje, quando me é possível, gosto de usá-la, não sem os protestos de minha mãe, que, depois de minha partida, tornou-se a guardiã dos meus pertences de adolescência.

Aproximando-me do jovem, meu pensamento fluía e o universo circundante, de repente se me revelava secundário e desinteressante. Agora já notava que aquele rapaz usava óculos sem aros e, em sua posição, lia um calhamaço de textos fotocopiados. Parecia não ter medo de ser observado. Parecia não pertencer ao mundo que o envolvia.

Chegando mais perto, meu coração começou a estremecer, e – como é comum diante das emoções que têm real significado para mim – meus olhos se encheram de lágrima. Não compreendia o que era aquela situação, mas já pressentia o significado daquele encontro. O destino de meus passos era até então ignorado, mas agora compreendia que ia em direção àquele jovem.
***
(Continua...)

domingo, 11 de outubro de 2009

Relendo Cícero

Sed quoniam res humanae fragiles caducaeque sunt, semper aliqui anquirendi sunt, quos diligamus et a quibus diligamur; caritate enim benevolentiaque sublata omnis est e vita sublata iucunditas.

"Mas, porque as coisas humanas são frágeis e fugazes, precisamos sempre procurar alguém a quem amamos e por quem somos amados; uma vez que se tirais da vida o afeto e a ternura, tirareis dela toda a alegria"

Cícero. De amicitia.




O amor conta uma história, uma história de palavras doces, você acordou lembrando de um sonho. Mas ainda era noite, o som repetitivo do ventilador sobre o seu rosto: o resto era vazio e silêncio. Você se pergunta aonde te levam as emoções. O seu coração é enganador, sua experiência pode te dizer tudo, mas nela você não acredita, porque, para muitos, sonhar não é mais possível.

Talvez seja preciso mesmo dizer, com todas as letras, para que você acredite. E depois? Acordar é o que você não queria. Mas nada você pode fazer. Ou, você pensa, não pode fazer.

Você vive pelo mundo, o mundo, velho mundo, das concepções frágeis, mundo velho das vozes velhas fugazes, e dos instantes passageiros. Você tem medo, mas você é feliz, ou pelo menos, feliz como é possível ser.

Afinal, os instantes não são eternos, se desdobram em variações rápidas, ora felizes, ora tristes, você sabe que a dualidade é o seu caráter. Por fora, um lago cristalino e calmo; por dentro ondas sombrias do oceano caótico. Aonde se refugiar, na noite vazia?

Saudade, solidão, o luar lá fora é propício às cantigas da cidade, as pessoas nela passam por você, são sempre respeitosas e levemente indiferentes. Você pensa estar sozinho, mas, no fundo, sabe que não está. Leva consigo as lembranças, as esperanças e os desejos. Eles vão se calar para sempre? Talvez, se com eles você construir um horizonte mais belo e maior, um horizonte realmente singular, majestoso como as montanhas que te envolvem.

Esse horizonte é o das coisas feitas com cuidado, das coisas planejadas com amor. Amare, Amari.:é quase o mesmo, com a diferença de uma letra somente. Sem os dois, a vida perde o seu encanto... Mas você sabe que esse amor pode ser, sobretudo, dedicação e cuidado (diligentia).


Amor e Amizade têm a mesma raiz. Uma raiz profunda.

***



O amor triunfante. "L'amour vainqueur". Caravaggio (1602). Museu de Arte de Berlim.

domingo, 27 de setembro de 2009

Em verso & prosa

I. A song

If I could some day
leave the somber away
leave behind melancholy
If only I could say...

If only I could be there
living together with no fear
Sharing days and nights
Paving a common way clear.

If only I coud pray
the angels to guard your way
the angels to lead us together
hand to hand, face to face.

Oh if only I could make
a song forever to take
you close together my dear
endlessly from today.



II. A rosa não é menos rosa

A rosa não é menos bela por seus espinhos; ao contrario, eles demonstram a beleza da natureza real quando se mostram necessários à sua sobrevivência e proteção. Também somos nós belos em nossas cores e acúleos, que podem até ferir, e ainda assim não serem dignos de repudia.

A chuva não é menos bela por conta da colheita perdida, pois ela fertiliza a terra, possibilitando novo plantio, ainda que a fome seja forçoso estímulo ao trabalho de reconstrução. Também podemos ser intempestivos, mas estimulantes de recomeço.

Quando o vento derruba a árvore, ele também espalha suas sementes. E ao derrubarmos percepções enraizadas semeamos novos sentimentos.

O que seria o amor, senão o humano? O que seria o bem sem o contraste da dor? Não há pureza ou verdade se perdemos a aptidão para irmos ao reverso e voltar ao avesso aprimorando este eterno ofício.



III. De Drummond:


Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

("A morte do leiteiro". Carlos Drummond de Andrade).

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Wilkommen in Berlin!

"Banho de chuva é bom", isto é, "de vez em quando", o Jonas me dizia. Até mesmo me recordo de, contra a vontade, sentir a chuva caindo sobre mim, numa tarde nublada de Minas, uma tarde daquelas comuns, de alguns anos atrás.

Se eu dissesse que é bom, não seria verdade. O único lado bom do banho de chuva é tirar as meias molhadas e pisar o chão seco, ou envolvê-los com aquela toalha felpuda com cheiro de mãe.

Há pouco a chuva caía aqui em Berlim. Bem, é preciso dizer que, depois de 15 horas de viagem aérea, algumas filas e carimbos no passaporte, finalmente estava, pela primeira vez, fora do Brasil.

Mas meu primeiro contato com Berlim foi assim: chuvoso. Um motorista nigeriano que sonhava trazer sua família, me dizia ser possível viver "em inglês" na capital da Alemanha. Sempre me intriguei com isso: Germania, em latim, é Germany. Mas qual é a origem de 'Alemanha'? e de 'Deutschland'?

A chuva nublada, o céu em gotas tênues, iluminado por riscos no céu, e reflexos nas paredes de vidro dos prédios imensos. Essa é a Paulista da Alemanha! Pessoas elegantemente vestidas conversavam baixinho, dois amigos liam juntos um mapa da cidade, vindos de não sei onde, talvez contando os últimos euros que a sua juventude lhes permite no bolso. Mas o fato mais interessante da tarde não foi nem a praça gigantesca, coberta por uma tenda de vidro, onde centenas de pessoas de partes variadas do mundo confraternizavam. O fato mais interessante foi tomar como exemplo aquela menina que saltava no pula-pula no centro da praça. Os olhos ainda não se tornaram opacos diante da novidade do mundo. Os pais assistiam, insistiam que ela pulasse como um pássaro, olhos claros, olhos alemães.

Exemplo de que, afinal, mau grado a distância que atravessa o Atlântico e me leva à minha casinha no Sertão, a verdade das horas é sempre a mesma. A impressão que fica do primeiro passeio, é que, na essência, é tudo igual. Os pais levam os filhos para contruir um castelo de Lego na Legolândia, e nele legitimam a fantasia desse período da infância. Outros dão à menina a faculdade de voar, saltando de um pula-pula presa por um elástico. Alguns jovens caminham juntos, riem, bebem cerveja (como não poderia deixar de ser), outros vibram pelo resultado de campeonato de atlestismo na tela imensa do bar.

Vejo que estou em Berlim pela televisão que me mostra o seriado americano em alemão. Depois de um tempo, até parece que estou entendendo. Assim, sinto uma alegria grande, apesar da chuva e apesar de não trazer comigo quem queria. Vêm a propósito as palavras do pai dos poetas alemão, Goethe: "a alegria, afinal, não está nas coisas, está em nós".



Velha Berlim Oriental: Museu de Antiguidades. Pessoas aproveitando o sol do verão europeu.



Castelo e jardim em Postdam.




Teto de vidro azul e rosa no Espaço Sony Center: Berlim moderna. Potdammer Platz.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Mudam-se os tempos

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades (...)"



O filósofo pré-socrático Heráclito (540-475 a.C.) já afirmava na Antiguidade grega que "a permanência é uma ilusão. Somente a mudança é real. É impossível pisar duas vezes o mesmo rio". Transpondo para os dias contemporâneos, verificamos a sabedoria da máxima, quando reconhecemos a fugacidade sem precedentes que os caracteriza.

Dos anseios emocionais às decisões comedidas pela razão. Dos arroubos infantis à austeridade das horas graves. Dos dias para as noites. Dos momentos de prazer para a angústia. E vice-versa.

Mudamos a cada dia, com os próprios dias que nos levam a juventude e a vida aos poucos se esvai, os encantos juvenis que passam, e as considerações amadurecidas pela idade que chegam.

Ainda que quiséssemos viver em um Neverland infinito, à sombra de árvores encantadas que nos preservariam a doçura da infância, ainda assim a experiência da ontologia que nos caracteriza humanos por si mesma nos amadureceria. O segundo dia não seria como o primeiro na terra de Peter Pan.

Heráclito tinha razão. O que intriga, entretanto, não é reconhecer a mudança (a ruína dos edifícios que se acreditavam inbatíveis das crenças absolutas!), o intrigante é observar em que direção mudamos.

O ideal seria reconhecer que estamos hoje bem melhores que ontem, essa é a visão evolutiva. Ou, em outras palavras: saber em que direção navega esse barquinho que nos conduz no oceano da existência - em que porto hei de ancorar? - e saber que me aguarda uma recepção calorosa e segura em paragens outras, longe da insensatez dos mares perigosos de hoje.


"(...)O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía."


Camões.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Dois mitos greco-romanos

1) Anquises não era um deus, mas era príncipe de Troia. Admirado pelos belos cavalos, diz-se ter sido bravo em sua juventude, e, não por acaso, amante da deusa Vênus. Já na velhice, com o artifício grego, do cavalo de madeira, vê sua cidade ser invadida e destruída pelos gregos. É seu filho, semideus Eneias, filho da deusa do amor, o responsável por liderar os remanescentes troianos e conduzi-los a um lugar distante, onde seria fundada a Nova Troia, no Lácio, a que seria futura grandiosa Roma. Eneias, é piedoso por excelência, do latim pietas, o sentimento de dever e afeto com os pais, em meio às chamas da cidade, exilado de Troia, tem o grande dever de fazer das cinzas, como a fênix, sua cidade renascer distante. O pai debilitado, Anquises, conhece a destinação superior do filho e não o retém. Mas o jovem, enfim, convence o velho pai a ir-se com ele e o leva em seus braços.


Sus, meu pai, eu te ajudo, às nossas costas
Sobe-te, ó caro, não me agrava o peso:
Em sucesso qualquer teremos ambos
A mesma salvação, comum perigo.



(Virgílio. Eneida, II, 730-733)



"Fuga de Eneias de Troia" - Federico Barocci., 1598. Galleria Borghese, Roma.












Vaso grego representando Eneias carregando Anquises. Museu do Louvre.



2)
Dido, a bela rainha da mais próspera, Cartago, cidade do Mediterrâneo antigo. Recebe os exilados troianos, que de longas aragens do mediterrâneo, chegam exaustos, exilados da Troia destruída. Seu lider é o belo Eneias, na cidade cultivada e rica recebe assento, como príncipe recebe honrarias, e atentos ouvidos da digna dama. O trabalho de Vênus torna a rainha por ele apaixonada, mas enquanto se enleia em suas palavras, Eneias precisa partir. Precisa continuar sua jornada, fundar sua cidade. Em vão a jovem rainha protesta, clama pela presença do amante, oferece-lhe seu reino e sua vida. Eneias parte, às escuras, ocultamente. A dama vê, no nascer da aurora, os rastros longes dos navios que partiram. Sem aquele amor, não se considera digna de viver. Reúne em seu claustro as belas damas, empunha bravamente a espada troiana, aquela de Eneias, como regalo recebida. Brada.


Inulta morreremos?...
Pois morramos! Sussurra; assim aos Manes,
Assim desço contente. O cru Dardânio
Do mar a vista embeba nessas chamas,
E estes mortais agouros o acompanhem!
(Virgílio. Eneida, IV, 689-693)

O Dardânio cruel, Eneias. Segue adiante, com sua esquadra, no horizonte desaparece do mar cristalino, uma nuvem de fumaça fúnebre talvez avistem, da jovem Dido, exangue caída, com as mãos tingidas do próprio sangue.





"Eneias narrando a Dido as infelicidades da cidade de Troia" - Baron Pierre-Narcisse Guérin, 1815. Louvre.






***
Traduções virgilianas de Odorico Mendes (1799-1864).

sábado, 7 de março de 2009

saudade roseana

As coisas assim a gente não perde nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas.
Guimarães Rosa.

Uma homenagem ao meu Diadorim


Antes de tudo um forte: mais de uma vez, essas foram ditas, palavras de Euclides da Cunha, não de Guimarães Rosa. Mas o que importa: quando se está no sertão perde-se a noção de autoria, e quem um dia radiografou o solo e a paisagem, poderia também, como este, radiografar a alma do sertanejo: o senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração.
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Dizem que saudade corre com a distância ou com o tempo, mas também existe saudade anunciada. Ou nunca quis que um dia fosse mais que um dia, ou uma noite, mais que uma noite? Que o tempo parasse, que as horas se alongassem, para o tempo parar?
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Pois é. Digo que também eu queria ser como Júpiter na mitologia antiga: queria ter o poder de alongar as noites. Dizia, outro dia, que o mundo romano é também como o nosso. É e não é. Ou, então, me pergunto: será que Júpiter, para ter Alcmena ao pé de si, alongava a noite porque também não queria esperar? Por que também amava?
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Parece que não: para os romanos, a paixão é indigna. A entrega fere a virtude. “Paixão”, tem em latim, passio, o mesmo radical de “passivo” – apaixonar-se é ter a alma passiva, é submeter-se, é estar rendido.
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Porém, ah!... Se o pudesse... Teria alongado todas as noites para continuar a seu pé, ou no seu regaço. Diria mesmo que é bom estar rendido. E que não importa quantos quilômetros ou séculos nos separem – ainda assim seria o pequeno, coração, amante de sempre.
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Parece irracional. É mesmo. Pois amar é mesmo seguir a lógica do ilógico. Assim, por exemplo, o jovem amigo, diante de Diadorim, descobrindo o amor:
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quase que a gente não abria a boca; mas era um delém que me tirava para ele – o irremediável extenso da vida. O corpo não traslada, mas muito sabe, advinha se não entende. Perto de muita água, tudo é feliz.
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Tudo é feliz. Não é preciso entender nada, advinha-se.
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A realidade presente faz acreditar que a felicidade é possível, faz pensar que esse sonho do espírito humano é palatável, tangível, palpável, é material. É quase possível tocar o amor. Seu registro deixa marcas em nosso corpo, deixa vestígios em nossa alma – dele não é possível sair incólume, não é possível abster-se, é o irremediável extenso da vida.
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A vida extensa, de encontros e desencontros, de dias que findam e noites que terminam, anuncia os tempos que serão de saudade, dias de lembrança e espera. Sim, fosse um deus, faria tudo para alongar os dias e as noites, para sentir-me indefinivelmente contigo.
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Ainda com Rosa, o real não está na saída, nem na chegada. Ele se dispõe para gente é no meio da travessia.
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Nessa travessia, nela compartilho longos trechos contigo, por ela é preciso dizer que as saudades anunciadas serão ainda pequenas diante dessa imensa neblina em que minhas emoções se afogam.
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Amor vem de amor, Diadorim é minha neblina.

***
Júpiter e Juno (Caramacci, 1560-1609)

Segundo a lenda, narrada por Plauto (séc. III a.C.), Júpiter teria se disfarçado de um general romano, em batalha, Anfitrião, e passado três noites com ela, na posição de seu marido. Como resultado, Alcmena ficou grávida de Hércules.






quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A cigana

Em resposta ao "Anjo triste".

“Água de coco!”

Sabe quando não pensamos em nada? Um amigo diria que é a única ocasião em que se pode pensar naquilo que somos e não somos, no presente e no futuro, nesses mistérios da vida em que o tempo, as preocupações do dia-a-dia e a mecanização do cotidiano nos fazem perder a capacidade de refletir.

Naquela tarde assim estava, como há muito tempo não fazia, embalado pela beleza daqueles pequeninos grãos de areia nos quais assentava meus pés, pequenos grãos daquela região que era conhecida pelo turismo gay da praia de Boa Viagem, em Recife.

Do ponto de vista de cada uma das pedrinhas douradas, em contraste com os últimos brilhos do sol no horizonte, o universo era realmente imenso, nem o marulho calmo, ou o vozerio das crianças que ainda brincavam ou dos vendedores de coco, bronzeadores, chapéus... – quantas coisas se podem vender hoje em dia! – eram suficientes para que meus olhos pousassem inquietos para essa realidade exuberante à volta e voltassem a fluir de forma trivial e comum, da forma banal como a vida adulta nos obriga a organizar todas as coisas da vida.

O inevitável era pensar que, apesar do cenário sob todos os aspectos paradisíaco e cheio de vida, daquela Recife que apenas conhecera na adolescência, pelos poemas de Manuel Bandeira ou por ser a terra da infância de Clarice, nessa mesma Recife dos prédios antigos, cordéis e dançarinos de frevo e maracatu – dos nadadores que desafiavam as placas que advertiam dos tubarões que passeavam pelas praias! –; nessa Recife, naquele dia, estava sozinho à praia, pensando em nada.

Recordava que, na adolescência, um dia considerei com meus amigos que o ano de 2010 era longínquo demais, que os caminhos da vida certamente nos levariam a cantos inimaginados e que teríamos a meta de nos reunirmos depois de dez anos. Ainda que dos detalhes sobrem pouco – como sempre, a nossa memória vai filtrando e apagando com o tempo a vivacidade das horas presentes, que passam a se enquadrar dentro de uma espécie de museu empoeirado e escondido lá nos recantos da nossa alma – ainda me lembrava do brilho que continha o nosso olhar, um brilho particular para a personalidade de cada um de nós, lá naquelas ruas mineiras, nas noites de sábado ou em outras noites.

Parecia que éramos bem mais velhos do que atualmente somos; a candura que era típica daquela juventude – de outras também? – nos legava um saber invulgar, posto que inconsciente, de entender que a vida é assim, um curso cuja destinação desconhecemos, ainda que dependa inteiramente e nada de nós – o primeiro dos muitos paradoxos com que seríamos formados ao longo desse curso.

Em que passagem desse trajeto transitariam, nesse instante, aqueles primeiros amores da adolescência?

Casmurro e inquieto, diria com Machado de Assis, ter naquela época cantado um duo terníssimo, das longas peregrinações ao meio dia, conversando sobre a mente e sobre o espírito, sobre o destino da humanidade e o nosso próprio, com meu mais jovem e belo amigo, dado a caminhadas exaustivas e sem fim, que eram longas e felizes ao seu lado. Depois um trio, com o assomo daqueles olhos latos e profundos, um dia considerados oblíquos, um dia considerados ciganos, em sua personalidade teatral e bela, da voz doce, das mãos e letras macias. Cantamos, ainda, depois, um quattuor, com aquele do qual éramos agregados em sua bela família, aquele que possuía o olhar arguto e a mente inquieta e que deixava pouco transparecer – a não ser em suas palavras escritas – seu humor inteligente e muitas vezes pessimista acerca da vida. Cantávamos, como crianças sem medo, construindo uma aventura que era sobretudo fantástica, mas que era essencialmente nossa.

De relance direciono meu olhar para um grupo de crianças distantes, são meninos descalços, afeitos às tardes recifenses, a esculpirem um castelo com os pequenos tijolos de areia da praia. Reconheço imediatamente que nelas ainda permanece algo de essencial que possuíamos, algo de profundamente humano e puro que trazíamos conosco. Esse era o elo mais forte que nos unia; reconheço nelas um pouco de nós, das crianças e jovens adolescentes que éramos, crescidos e criados no Colégio Militar.

Talvez, em instantes, os seus pais as levarão dali, para suas casas, onde ficarão provavelmente brincando em outras fantasias, sem pensarem demasiadamente na vida, sem se importarem com o dia de amanhã ou sem sofrerem pelo que ainda não existe. Amar é a terna inocência e a única inocência é não pensar!, repetia comigo as palavras com que me deliciara um dia nas tardes da adolescência, daquele que já era considerado o mestre dos heterônimos de Pessoa.

“Onde estão os meus amores da adolescência?”, repito, em semi-tom, conversando comigo mesmo, com o meu coração, como Ulisses, um dia fizera regressando para Ítaca.

“Eles ainda estão dentro de você!”
Vinha daquela voz falando ao meu lado, com a qual me assustava, com uma mulher vestida à moda cigana, pegando subitamente em minha mão.

A cigana que surge na praia é o eterno outro do qual fugimos: o lugar da diferença da qual nos escondemos e temos medo. Recife é uma cidade perigosa!, me disseram muitas vezes, não se pode confiar nas pessoas.

As rugas do rosto, a pele queimada pelo sol, as jóias pesadas e manchadas, o olhar metafísico e algo superior, como se fosse, enfim, capaz de enxergar coisas invisíveis, de penetrar um ambiente reservado a uns poucos, e dizer coisas sobre o presente e o futuro dos indivíduos.

Não estimo bem, mas aquela cigana velha me rendia: não sei por que comoção aceitei ouvir o que dizia ao ler as linhas da minha palma. Não se tratava de bruxa vulgar, como, afinal, às dezenas se assomam nesse período de carnaval, mas seu semblante ocultava algo de nobre que não conseguia disfarçar e algo de humano que sempre me comoveu, dos muitos lugares que passou, das muitas mãos que talvez teria lido, das emoções que um dia teria registrado nessa e nas outras praias onde, nômade, teria a vida lhe levado.

“Meu filho, o amor e a amizade, quando são sentimentos puros e verdadeiros, jamais se perdem. Um afeto que se distancia permanecerá ligado ao nosso coração se o dele também sentir por nós o amor que lhe dedicamos. Não chore, minha doce criança, perceba antes que o seu amor é grande e pode alcançar o coração do irmãozinho que se foi através dos atos de amor que realizar por outras criaturas.”

O amor que um dia fazemos nascer dentro de nós jamais se apaga; não é o tempo, a distância, as caminhadas que hoje são solitárias ou as risadas que já há muito se silenciam, nada disso é forte o suficiente para apagá-lo.

“Guarde consigo somente os momentos felizes e a imensa alegria que representou o seu amor por ele, na certeza de que foi tão bom para você, quanto para ele. O amor jamais se perde, meu pequenino, o amor jamais se perde...”

Olhando demasiadamente para o solo firme onde queremos pisar, muitas vezes esquecemos da abstração desse límpido céu que nos envolve: o céu é sempre o mesmo, está sobre mim e sobre todos aqueles que amamos e que continuam a fazer parte de nossa vida, no Brasil e fora dele, nessa vida ou em outras.

“Não tenha medo de amar novamente e não faça adormecer dentro de si o menino bom que era um dia, os sonhos que um dia lhe alimentaram a vida, e desenharam o seu horizonte. Persiga aqueles ideais, que são ainda os de hoje, e não se esconda para outros amores que também tornarão a sua vida mais bela a partir de agora. Talvez esse amor esteja esperando por ti aqui em Recife ou em outro lugar.”

Com aquelas palavras, a velha cigana se afastou, levando as poucas moedas que talvez tenha lhe dado, caminhando em direção àquele horizonte infinito, talvez ao encontro daqueles que ela amava e lhe esperavam naquela tarde.

Não consigo depreender ao certo de onde ela tenha vindo, se ela realmente tenha existido e me olhado profundamente dentro dos olhos, ou se ela era um sonho ou uma imagem. Sei que suas palavras estão agora comigo, me fazem novamente acreditar no amor, nessa emoção que aprendi a conhecer na adolescência, ao lado desses que hoje não estão exatamente aqui perto de mim.

A todos eles – Márcio, Juliana, Rafael – e depois tantos outros com que a vida me presenteou – seria injusto enumerar... – minha inteira gratidão, pelos momentos vividos e a certeza plena de que sempre valerão as palavras de ontem, onde quer que transitem as nossas emoções, pois onde depositamos o nosso tesouro, é aí que guardamos o nosso coração.

Com o ocaso do sol, bati a areia dos pés, sem pensar em nada, levantei-me e fui embora.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Carta a um ex-esperantista

O texto a seguir é a publicação ipsis litteris de uma carta enviada por mim a certo esperantista que decidiu abandonar o estudo e o cultivo da lingvo internacia, desolado diante das frustações que argumentava que o Esperanto trazia diante da promoção da paz.
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(...)
Onde houver reflexão acerca das línguas que encerrem consigo um ideal - quer seja de legitimidade religiosa, como o latim, quer seja de unificação de um povo, como o hebraico moderno, quer seja de neutralidade e unificação transnacional, como o Esperanto - aí haverá dissonâncias e intensa polêmica. É por esse motivo que, em pouco mais de cem anos de existência do Esperanto, não foram poucos aqueles que se armaram com argumentos científicos, políticos ou mesmo religiosos desfavoráveis ao Esperanto sem conhecê-lo, e também não foram poucos aqueles que conhecendo-o de perto logo se desmotivaram a continuar o seu cultivo.

Esses primeiros, a meu ver, não merecem nossa consideração aqui, por se basearem apenas em preconceitos e não terem, de fato, um conhecimento de causa que torne legítima a argumentação. Já os segundos, que, com justo motivo, decidem abandonar o movimento, estes, sim, merecem a nossa atenção. É por isso que tomo a liberdade de te escrever.

Concordo plenamente que o Esperanto não resolveu e não resolverá os conflitos humanos, porque eles se assentam mesmo na idéia de diversidade e jamais haverá duas criaturas - ainda que nasçam no mesmo berço ou falem a mesma língua, que sejam iguais. A idéia interna por que os esperantistas costumam lutar não se trata de uma postura talvez um tanto ingênua de que se falarmos uma língua politica e culturalmente neutra será o suficiente para dirimir as mazelas que separam os povos, que ferem as culturas e as dizimam sob o peso das armas e das riquezas.

Como lingüista, sou forçado a reconhecer que o Esperanto representa uma, e apenas uma, língua, no vasto espectro das linguagens humanas. Cada língua com sua cultura representa um recorte sempre único de se entender e construir o mundo, e, por isso, nem o Esperanto, nem outra língua qualquer, possui o privilégio de ser visto como melhor que nenhuma outra. Por outro lado, é preciso também reconhecer que o Esperanto representa um movimento cultural sem precedentes, pois inaugura um fenômeno cultural cujas fronteiras ultrapassam os limites territoriais dos países, causa estranhamento àquelas pessoas somente arraigadas aos valores de sua terra, amplia os horizontes de percepção e - porque não? - compreensão da diversidade humana. É verdade que no Brasil talvez a maior parte dos Esperantistas sejam aqueles que se afinizem com este ou aquele credo religioso, e, em nome dessa crença, abracem também o Esperanto. Mas reconhecendo que a essência do Esperanto é exatamente não pertencer a ninguém e a todos - ainda que o paradoxo pareça já gasto - é justo aceitarmos que demonstrar as suas preferências, seus modos de agir e pensar, e também as suas discordâncias a esse respeito, não somente é legítimo - posto que humano - mas, sobretudo, é apanágio das linguagens humanas, definem a sua essência. De outra forma, o Esperanto não poderia ser considerado sequer uma língua.

Ademais, penso, na limitação das minhas opiniões, que a paz não é fruto da uniformidade - que, poderíamos pensar, seria a solução do problema de Babel - mas é filha do reconhecimento e respeito mútuo das diferenças. É resultado, exatamente, desse diálogo, desse sincretismo que, especialmente no Brasil, é sempre tão presente em nosso dia-a-dia. A paz não seria alcançada pelo privilégio concedido a uma única língua, a uma 'supralíngua', como seria pensado na opinião dos Esperantistas mais idealistas, mas nas pequenas, mas efetivas contribuições que cada ser humano, falando em suas próprias línguas, ou confraternizando-se entre si pelo Esperanto (ou não), dão às suas esferas de ação a cada dia. O Esperanto é um movimento cultural, transnacional, sim, mas humano. É uma possibilidade de atuarmos para a paz, como todas as outras línguas também o são. Depende somente dos esperantistas.