domingo, 21 de fevereiro de 2010

Além da linguagem

Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.
Ludwig Wittgenstein. Tractatus Logico-Philosophicus.


Não desejo a sua infelicidade, embora não acredite que possas ser feliz. Não serei empecilho mais: aquelas foram as últimas palavras. Se não, pelo menos as que restaram. Em todo o caso, foram mais que suficientes para que o silêncio sobreviesse à dor. É como uma porta que se fechasse para o horizonte. Além dela havia tudo e agora, apenas superfície lisa.

Mas o coração humano é imprevisível. Não convive com centralidades, não tolera imperativos racionais. Humanus sum, nihil humani a me alienum puto! Reconheço a minha humanidade, convivo com ela. Aceito-a. Tolero-a até o limite do insuportável, para então, ressurgir outro, sempre o mesmo e sempre outro. Variável e mutável, extremamente monotônico e regular, mas, sobretudo, caótico.

Acaso existe, pergunta o meu coração, sentido no que é sentido?

A despeito do que é e daquilo que não é, a despeito da consciência ou da inconsistência, sigo flanando pelos horizontes e as palavras transformo, ressignifico dentro de mim.

Assim, penso até que aquelas podem ser outras, as palavras. Não mesmo os atos, pois estes estão indelevelmente assinalados na experiência. Mas as palavras não. Podem ser neutralizadas, a ponto de, após o silêncio, renascer, aos poucos, o sentimento e, com este, uma incontrolável vontade de falar. Será que seremos ouvidos?

Perscruto meu coração, para sentir o que me diz. Nada ouço, apenas o marulhar infinito das ondas de um oceano desconhecido. Mundo, mundo, vasto mundo!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Em ordem

Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!
---
Charles Baudelaire. "A une passante".
Janelas entreabertas
apreciam o sol entrar
e seus afagos cotidianos
mas estou arrumando a casa.

Retratos na parede
sorrisos de ontem em silêncio
das memórias e paisagens
mas estou arrumando a casa.

Papeis sobre a poltrona
anotações ligeiras de antes
contas e sonhos no papel
mas estou arrumando a casa.

Almofadas amarelas
tecido em abraços apertados
nas frias e quentes noites
mas estou arrumando a casa.

Do que tudo era e não será
das remanescentes horas de sempre
de cada dia e todo momento
agora estou arrumando a casa.