quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Parte 1: Frio



Só aquela cidade pode justificar a jaqueta de couro preta. Todos sabem que é justamente o alto da montanha o responsável pelo frio constante daquelas terras, ou, para dizer o mínimo, pelos frequentes céus nublados. Um amigo teria dito que essa é a terra das quatro estações em um único dia. Diria eu que, se não todas, ao menos aquelas frias e molhadas são as que mais nos acompanham; que, aliás, eram as que caracterizavam aqueles dias.

Nas ruas molhadas e pacíficas, naquele entardecer frio como muitos outros, as pessoas prefeririam ficar em casa. Muitos se aqueceriam tomando chás ou comendo bolinhos-de-chuva, daqueles que tem sabor de infância e memória das avós. Muitos se apressariam em retorno à casa, com medo da chuva que poderia voltar a se precipitar sobre nossos ombros diante do nosso olhar. Mas o céu estava absolutamente imóvel, as nuvens robustas. A aragem após a última chuva não dava a entender que seria o momento de nova tormenta.

Para ser sincero, não saberia dizer por que estava ali. Apenas sei que me sentia bem, de volta à minha cidade, rodando as ruas familiares, vestindo aquela jaqueta que, enfim, nunca antes parecia ter vestido, nunca antes parecia ter pertencido às roupas do meu armário. Apesar disso, sentia que não estava ali em vão.

Descendo mais adiante, avizinho uma figura que me pareceu familiar. Não tinha antes notado, mas a poucos metros sentava-se à soleira de uma loja fechada uma pessoa que, por algum motivo, me chamara atenção. Não a pessoa. Mas a blusa de lã azul que vestia. Os meus olhos míopes jamais me permitiriam reconhecer o semblante daquele que parecia ser um jovem de uns 15 anos, de pele clara e traços finos, sentado à porta daquela loja, abrigando-se da chuva, que, pelo que parece, ainda não caía.

A blusa de lã azul remetia a um vestuário que, de fato, me era bastante conhecido. Fora uma das doações da amiga de minha mãe aquela blusa de lã, que, apesar do corte ligeiramente feminino, sempre me vestira melhor que à minha irmã na adolescência. Era um tecido forte, de lã entrelaçada como que à mão, um objeto realmente bonito, posto que levemente surrado pelo uso que, afinal, muito tinha sido quando já de segunda mão havia recebido. A blusa do jovem sentado era idêntica àquela minha, quando não a mesma. Embora trajasse outras roupas que o tempo me dera condições de adquirir, tenho certeza que ainda possuo aquela blusa. Ainda hoje, quando me é possível, gosto de usá-la, não sem os protestos de minha mãe, que, depois de minha partida, tornou-se a guardiã dos meus pertences de adolescência.

Aproximando-me do jovem, meu pensamento fluía e o universo circundante, de repente se me revelava secundário e desinteressante. Agora já notava que aquele rapaz usava óculos sem aros e, em sua posição, lia um calhamaço de textos fotocopiados. Parecia não ter medo de ser observado. Parecia não pertencer ao mundo que o envolvia.

Chegando mais perto, meu coração começou a estremecer, e – como é comum diante das emoções que têm real significado para mim – meus olhos se encheram de lágrima. Não compreendia o que era aquela situação, mas já pressentia o significado daquele encontro. O destino de meus passos era até então ignorado, mas agora compreendia que ia em direção àquele jovem.
***
(Continua...)