domingo, 6 de julho de 2008

Relato de viagem

Quare id faciam, nescio. Sed fieri sentio.

“A vida é a arte do encontro...”, a frase ali estampada naquele cartaz, enquanto refletia comigo: ali me encontrava, novamente com malas na mão, registrando o frio do vento, a brisa do mar e coração aos saltos diante daquela ocasião.

Manhã movimentada, transeuntes iam e vinham de lugares distantes, tudo normal naquele aeroporto. Os aviões saindo de Vitória traziam-me idéias poéticas. Impressões ainda vivas dos últimos dias, dos trânsitos e praias, das ansiedades e, finalmente, dos resultados que, de certa maneira, obrigavam-me a redefinir planos e aspirações para o porvir.

Uma sensaçao de tristeza e alegria me contemplava simultaneamente naquele momento, meu pensamento, usualmente dado a idéias viajantes, me sugeria agora pé no chão, nada mais apropriado do que isso para quem estava prestes a voar.

Aquela manhã era estranha, observando naves que pousavam estrondosamente e levantavam vôo em direção ao nublado céu, oh, Deus, o horizonte infinito comporta os sonhos a que aspiro?

Diante de todos, eu era apenas silêncio, nenhuma palavra calmamente pronunciada fazia alarde da minha origem, enquanto, nas minhas lembranças, apenas gratidão, nada mais. Revivia os últimos dias, como, de certa maneira, tinham sido um evento marcante na minha vida, mas sobretudo, a oportunidade que, enfim, foi possível de ver o litoral capixaba por outros ângulos, na praia vazia da tarde fria ou mesmo do alto da construção multissecular, onde, por um algum instante, meus olhos se voltaram, finalmente, para mais perto de Deus: muito obrigado!

Como era bom, sentir, novamente, a presença daquele Deus que tanto sentido tinha dado a boa parte da minha vida, mas cujo hálito havia bastante tempo não mais sentia. A respiração de Deus deveria mesmo ser como aquela visão no alto do convento da penha: tocada pelos brilhos refletidos do sol na superfície do mar, em silêncio e respeito circunstante, vento calmo e nada mais.

Subitamente, lembrei-me de dias atrás, da longa caminhada ao longo da costa, na tarde que revolvia as ondas do oceano e despedindo-se do sol, exemplificava a renovação do dia.

Bem se percebia que, se eu era tipicamente um mineiro revisitando as praias do Espírito Santo, também ela era uma viajante em terras estrangeiras. Vinha do norte, da terra das pessoas de bom coração, da terra das pessoas generosas. Assim era ela, minha então mais nova amiga, embora uma sensação me dissesse ser amiga de outros tempos, de outras vidas, nunca sabemos, enfim, quando encontros são, na verdade, reencontros.

“A vida é a arte do encontro...”

Aqui estava eu, de volta a minha casa, igualmente em terra forasteira, depois desses dias. Como era rápida a viagem de volta, o retorno à vida de antes e a redefinição dos meus planos. Como as coisas mais significativas da vida, aquelas lembranças de amizade tinham sido como um grande presente inesperado, daqueles que sempre quisemos ganhar e jamais tínhamos a oportunidade.

Aqui estava eu, sentado diante do cartaz da frase anônima, escrita em amarelo-ouro sobre azul-mar, era o próprio reflexo daquele sol do alto do convento. Aquela frase, sem autoria e referências no cartaz, descobriria tempos depois ser o primeiro verso do poema-canção de Vinícius de Morais, cuja oportunidade me obriga a publicá-lo:


“A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre alguém à sua espera
Com os olhos cheios de carinho”


Obrigado, Cláudia, pelos seus olhos de carinho plenos, que me provaram que, apesar dos desencontros da estrada, ainda é possível encontrar um coração generoso a nossa espera.

2 comentários:

Iceberg disse...

Humm... "A vida é a arte do encontro"... Interessante. Eu iria além: a vida é a arte de Deus. O bacana na vida, é claro, é encontrar pessoas. E mais bacana ainda é descobrir - este, sim, o que considero o melhor verbo - os gostos, as idéias, as inclinações, as índoles das pessoas que encontramos. Fazer isso tudo num cenário singular como o Convento da Penha (sim, vivi a experiência há uns 12-13 anos) deve ser realmente magnifíco!
Ótimo texto, "as usual". E bem interessante a forma como você encarou o papel do narrador-personagem sem deixar o texto cair na qualidade(?) dos "blogs baratos", "pseudo-diários" que se vê por aí...

Anônimo disse...

Ai Rafa, realmente esse está mais autobiográfico que o de costume! Mas eu queria que assim fosse, para ficar mais realista a homenagem! Obrigado pelo comment.